12/08/08

De volta à Estrada da Jeira

Caros colegas da AMBIO,
Não me lembro de nenhum projecto de uma auto-estrada pela Estrada da Jeira,de que fala o Henrique. Também eu seria contra. Por isso, os meus parabénsao Henrique e a todos os que se opuseram a tal aberração. Mas sempre defendia abertura da fronteira da Portela do Homem, nos moldes em que está. Talvez por traumas da infância, pois, a primeira vez que fui à Galiza, vésperas dafesta de Santo Amaro, a 15 de Janeiro, em Torneiros, com os meus cinco anitos, acompanhado pela minha mãe e uma minha tia, tivemos que ir pelo monte, atravessando a fronteira "a salto", em Calvos, por entre silvas e tojos. A partir daí, comecei a ser, declaradamente, contra todas as fronteiras do mundo. Passe a inconfidência...
O que me lembro, das múltiplas conversas que, então, tive com o primeiro Director do PNPG, Eng. Lagrifa Mendes, de saudosa memória, é que chegou apensar-se numa estrada (nada de auto-estradas) pela margem direita do rio Homem, do lado oposto à Estrada da Jeira, o que até serviria para substituir um caminho existente em Vilarinho da Furna, que também ficou submerso com abarragem.
Mas a primeira grande defesa da nossa Mata da Albergaria, contra estranhos às comunidades locais, ocorreu em meados de 1808 (a 29 de Junho ou 11 deJulho, conforme os autores), faz agora 200 anos, quando o povo de Vilarinho, com o apoio das populações vizinhas, capitaneados, no dizer de alguns, pelo Abade deCarvalheira, Padre Joaquim António Vieira Rebelo, incendiou a "Real Fábrica de Vidros de Vilarinho da Furna de Gomes, Mattos, Araújo, e Companhia", na altura, uma das três maiores fábricas de vidros do país. E a principal razão para a destruição da fábrica esteve na IV Condição do Alvará, assinado pelo, então, Príncipe Regente, que veio a ser D. João VI, ainda antes da sua fuga para o Brasil: "Será lícito à Sociedade extrair sem reserva, embaraço, ou ónus algum as lenhas, giestas, e mais materiais, que lhe forem precisos de todos os bosques, e montes maninhos das circunvizinhanças, seja qual for adistância (...)".
Não fora essa intervenção da nossa gente e, hoje, era mais que certo que não haveria Mata da Albergaria para ninguém, pois, no dizer de Vasco Valente, "Construída muito perto de Vilarinho, (....) ainda à vista de Bargiela, que é o mais importante maciço florestal espontâneo do Gerês, não havendo, portanto, receio de falta de combustível (..)", in O Vidro emPortugal, Portucalense Editora, Porto, 1950, p. 71.
Quanto à pergunta do Henrique, para que serve a jorna de reparação da estrada, penso que não tem qualquer sentido, pois as estradas reparam-se para ser mais facilmente transitáveis. Aliás, está na tradição da nossa gente fazê-lo. Daí veio o nome Jeira. Que, por sinal, é apelido da minha família, pelo lado materno. Quando mais não fosse, até por uma razão sentimental.
E, enquanto viveu gente em Vilarinho, todos os anos se reparava o troço da Estrada da Jeira entre a Guarda e a Bouça da Mó, através da Cal, Gavião e Birbezes, como se reparavam os outros caminhos, sob pena de ficarem intransitáveis. O mesmo faziam e fazem as populações vizinhas, nas suas zonas. Ficando o troço entre a Bouça da Mó e a Portela do Homem por conta dos, então, Serviços Florestais, que, para isso, tinham cantoneiros em permanência. E não cobravam portagens.
Ainda bem que o Henrique reconhece que "nunca esteve em causa a proibição do trânsito dos residentes". Felicito-o por ter evoluído na sua posição fundamentalista, expressa na mensagem de 30/07/2008 23:24: "Acho muito bem que o dinheiro das portagens seja aplicado na conservação da natureza e não na conservação de estradas, nomeadamente a da bouça da mó a albergaria que devia pura e simplesmente ser interdita ao trânsito" - Henrique Pereira dos Santos "dixit".
Também eu digo que é uma opinião legítima, mas que esquece um ligeiro pormenor: é que os seres humanos também fazem parte da natureza, devendo ser conservados, mesmo com os seus "bons vícios de quererem andar pela Estrada da Jeira", e que esta estrada, nomeadamente entre a Bouça da Mó e a Albergaria, nunca existiria se não fosse o bicho homem.
Quanto às reclamações dos visitantes, que o Henrique diz que não existem, aqui vai uma, a título de exemplo, que veio parar a um dos meus blogs, que já aqui reproduzi, e que foi o ponto de partida para este bate-papo: "Jeito disse: (...) também defendo as portagens no acesso à mata da albergaria, no entanto, e após este fim de semana passar pela estrada da Bouça da Mó, fiquei a pensar que, realmente, é preciso muita lata e desfaçatez para cobrar uma taxa relativamente à utilização de um traçado em tão mau estado!!!" (da m/ mensagem para a AMBIO, em 30/07/2008 23:03).
Longe de mim querer "escolher quem pode ou não pode ir a uma parte dePortugal em função das respectivas opiniões". É apenas uma questão de lógica: quem acha que as estradas da nossa terra devem ser interditas ao trânsito deve ser o primeiro a auto-proibir-se de lá andar, por uma simples questão de coerência, quando mais não seja. Nada de autocrata, como se vê.
Quanto ao facto de nenhum veículo ter sido desincentivado de entrar na Matada Albergaria, os dados são públicos e basta fazer as contas. Em 1990, quando se criaram as portagens na Mata da Albergaria (recordo que a AFURNA defendeu-as em comunicado http://afurna.no.sapo.pt/Portagens%20no%20PNPG.pdf), segundo contas da Câmara Municipal de Terras de Bouro e do PNPG, passariam, por ano, na Mata da Albergaria, uns 60 000 carros. O que era efectivamente preocupante. Agora, segundo a informação fornecida pelo Sr. Director do PNPG, passaram por lá 76 595 viaturas, em 2007 (mensagem de 3 de Agosto de 2008 13:20, para a AMBIO), o que dá um aumento de uns 27%. E ninguém se preocupa com isso? Alguém consegue apresentar um único exemplo de uma viatura que tenha sido impedida de entrar na Mata da Albergaria, com o actual sistema? Dão-se alvíssaras. É que as portagens não devem ser apenas para cobrar dinheiro, mas, principalmente, para diminuir "a forte pressão humana", referida na própria Portaria nº 31/2007(http://dre.pt/pdf1sdip/2007/01/00500/01140114.PDF). Pelo menos, antes da entrada em vigor desta portaria, aos feriados e fins de semana, o trânsito automóvel estava pura e simplesmente proibido, excepto para moradores/naturais do Concelho de Terras de Bouro e pessoas que iam para ou vinham de Espanha.
Quanto à aplicação das verbas é-me (quase) indiferente que a reparação da Estrada da Bouça da Mó seja feita com o dinheiro das portagens ou com outro. Desde que o seja. Até podia ser com o dinheiro que anda a ser lançado ao mar, na Costa da Caparica, como já aqui sugeri, no ano passado, o que tanta polémica causou (http://vento_norte.blogs.sapo.pt/6364.html). Como, certamente, é indiferente aos ingleses que o dinheiro das portagens londrinas seja aplicado no metro, desde que a circulação automóvel seja financiada por outras verbas. É que, se as entradas de Londres, estivessem no mísero estado em que se encontrava a Estrada da Jeira, antes da jorna do passado fim de semana, há muito que tinha caído o governo, o parlamento, a Torre de Londres e, quiçá, a própria Rainha de Inglaterra. "God save the Queen".
E que todos passem bem.
Manuel Antunes

----- Original Message -----
From: <as1075017@sapo.pt>To: "Manuel Antunes" <mantunes@mail.telepac.pt>
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Sent: Thursday, August 07, 2008 6:06 PM
Subject: Re: [ambio] A reparação da Estrada da Jeira, na Mata de Albergaria

Manuel Antunes:"E diz muito bem, para quem não sabia que, antes do PNPG, já lá havia a Mata da Albergaria, e vai continuar a haver, digo eu, com o Parque, sem o Parque ou apesar do Parque..." Isto é uma tirada de belo efeito mas convenhamos que pouco sustentada.As áreas protegidas são um instrumento de gestão das alterações territoriais. Portanto argumentar que a economia de subsistência das populações envolventes da mata sempre permitiu a conservação da mata não demonstra, de forma nenhuma, que tal se viesse a manter no futuro sem o parque. Lembro o Manuel, para o caso de estar esqucido, que só a existência do Parque Nacional impediu a transformação da jeira numa estrada internacional de quatro faixas e a fronteira da Portela do Homem numa grande fronteira do Norte com o argumento de que essa era a única forma de garantir o desenvolvimento da região. Eu, que até emiti pareceres bem moderados sobre o assunto defendendo a compatibilidadeda fronteira com a conservação da mata (dentro de critérios bem definidos) estou perfeitamente à vontade para dizer que tinham razão as pessoas que se opuseram ferozmente a esta solução dedesenvolvimento e que o tempo tem demonstrado que o PNPG é um fortíssimo factor de desenvolvimento e fixação de populações muito mais eficiente e sustentável que uma grande fronteira internacional.
Manuel Antunes:"Pelo que também eu considero que muito bem andou a nossa gente, do Campo do Gerês, de Covide, de Rio Caldo, de Carvalheira, de Brufe, da AFURNA, da Câmara Municipal de Terras de Bouro, organizada pelo Presidente da Junta do Campo do Gerês, António Pires de Oliveira, ele próprio natural de Vilarinho da Furna, em mais essa jorna do passado fim de semana, para reparar a nossa estrada, da Guarda à Albergaria."É uma opinião legítima mas seria mais útil se fosse explicado porquê. Para que serve essa jorna e para que serve em concreto essa estrada do ponto de vista da vida e da economia das pessoas que lá vivem.
Manuel Antunes:"Era só o que faltava, os naturais e residentes dessa zona serem proibidos de andar pelos seus caminhos seculares, quando até lá têm largos hectares de propriedades. Nem no país dos Ayatollahs tal aconteceu!" Caro Manuel Antunes, mantenhamo-nos dentro da seriedade na discussão. Nunca esteve em causa a proibição do trânsito dos residentes. E não me parece que para tratar dos largos hectares de propriedades sejam precisos caminhos muito melhores que os que existem. Pelo menos não conheço nenhum agricultor que faça as terras com base no seu carro de passeio e os tractores andam por caminhos bem ruins.
Manuel Antunes:"Quanto aos visitantes, se vierem por bem, serão sempre bem recebidos." Claro, mas curiosamente as reclamações não são dos visitantes.
Manuel Antunes:"Os outros, que vêem na proibição a solução para (quase) todos osproblemas, nomeadamente na Mata da Albergaria, devem ser os primeiros a serem proibidos (ou a auto-proibirem-se) de lá aparecer."Oh Manuel, francamente, não lhe fica bem essa pontazinha de árbitro das elegâncias a escolher quem pode ou não pode ir a uma parte dePortugal em função das respectivas opiniões. No fundo no fundo, há sempre um autocrata em cada um de nós mas é preciso reconhecê-lo para o combater.
Manuel Antunes:"O que não dá para entender é que, tendo o PNPG (re)estabelecido as portagens pagas, não tenha desincentivado um único carro na Mata daAlbergaria e ande a aplicar os dinheiros das portagens em (quase) tudo menos na reparação das estradas que controla. Fartei-me de alertara qui, no ano passado, que essas portagens não iam passar de mais uma(s) caixa(s) registadora(s). Lembram-se?" Não sei que dados tem o Manuel sobre o desincentivo. Não sei como sabe quantas pessoas recorreram aos transportes alternativos nem como compara as diferentes cargas de automóveis visto que sem as portagens não há controlo. Mas estou de acordo consigo que as portagens deveram ser bem mais altas para terem um efeito verdadeiramente dissuasor. Ao menos nisto estamos de acordo. Já é um começo. Quanto à aplicação dasverbas, como bem sabe, é objecto de discussão com as juntas e aprópria lei obriga a que sejam aplicadas em acções de conservação da mata e não na conservação das estradas. Repare, até o Ken Livongstone em Londres gasta o dinheiro das portagens dos automóveis no financiamento do metro e não na melhoria da circulação automóvel.
henrique pereira dos santos

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