24/02/07

De volta às Portagens no PNPG

Espero que a minha posição sobre as portagens na Mata da Albergaria tenha ficado suficientemente clara no meu "post" anterior: Portagens na Mata da Albergaria sim; portagens pagas não. Isto devido à experiência já feita nos anos de 1990-1992, de triste memória. Agora, o Henrique Pereira, (na sua qualidade de actual Director do PNPG, como se apresenta na AMBIO, que, há meses, tive a honra de conhecer pessoalmente e que muito prezo) vem-nos dar conta da nova Portaria sobre a reintrodução do pagamento das referidas portagens.http://dre.pt/pdf1sdip/2007/01/00500/01140114.PDF
E diz-nos que "a grande novidade desta portaria, é que prevê que a receita reverta a favor das acções de conservação da Mata de Albergaria". Já assim era em 1990, e não foi cumprido pelo ICN/PNPG. Como diz o nosso povo: "na primeira qualquer um cai, na segunda só cai quem quer"... Depois, lembra-nos: "ainda que o território aonde será cobrada a taxa é, quase na totalidade, mata nacional, da propriedade do estado". Recordo que a Câmara Municipal de Terras de Bouro sempre contestou a propriedade do Estado sobre o perímetro florestal do Gerês (Mata da Albergaria incluída), desde 1888 a esta parte. Ainda hoje, nessa área, todos os terrenos que não estão registados em nome de proprietários privados, estão-no em nome da referida Câmara, na Matriz Predial Rústica das Finanças de Terras de Bouro. Sobre essa matéria, pode ser consultado o meu livro Vilarinho da Furna - Memórias do passado e do futuro . Por outro lado, nos textos legais, a "Mata do Gerês" nunca aparece designada por "mata nacional", como Henrique Pereira pretende fazer crer.Considero que é boa a intenção de Henrique Pereira esperar "que esta medida contribua para que cada vez mais tenhamos os visitantes a preferir fazer a Geira (via romana) e a estrada de Leonte a pé e de bicicleta, deixando os carros à entrada da Mata". Eu já fiz isso, muitas vezes, no meu tempo de menino e moço. Foi aí que eu aprendi a andar de bicicleta e de motorizada (perdoem-me a indiscrição). Mas duvido que, agora, tal aconteça. Primeiro, porque, desde que me conheço, dos idos de 1950 a esta parte, os únicos agentes dos Serviços Florestais/PNPG, que por lá vi andar a pé ou de bicicleta, foram os antigos Guardas Florestais. O Mestre Abreu andava de moto e os Srs. Administradores/Directores e demais funcionários andavam/andam de carro/jeep. Depois, porque, nos termos da referida Portaria, o facto de se pagar 1,50 Euros permitirá a qualquer pessoa andar, com a sua viatura motorizada, pela Mata da Albergaria todo o tempo que quiser, "por dia de circulação". Tal como aconteceu em 1990-1992, uma vez que a portagem se transformará (assim como já se verificou) numa "caixa registadora" dos cofres do ICN/PNPG, sem a imposição de qualquer limitação de tráfego. Por isso, até prova em contrário, penso que o modelo que tem sido aplicado, de 1992 a esta parte, de, aos feriados e fins-de-semana, durante os meses de Verão, as viaturas motorizadas dos não naturais/residentes só estarem autorizadas a atravessar a Mata da Albergaria, a caminho da Galiza, pela Portela do Homem, ou em sentido contrário, com um tempo limitado para fazer o respectivo percurso, sem qualquer pagamento, é o mais adequado. Tal como está redigida a Portaria em questão, onde nem sequer se prevê a hipótese de se poder atravessar a fronteira da Portela do Homem, de Portugal para Espanha (a Portaria nada diz sobre a entrada de Espanha para Portugal, o que constitui uma discriminação injustificável), sem pagar uma portagem, estou em crer que vai provocar sérios levantamentos das populações portuguesa e espanhola, com toda a razão, por tal não ter qualquer suporte no ordenamento jurídico português e/ou da União Europeia. Além disso, diz-nos Henrique Pereira que "gostaria de frisar que esta medida teve a concordância dos autarcas locais já em 2004". Não sei como se comportaram esses autarcas, no referido ano. E duvido que Henrique Pereira o saiba, dado que só tomou posse como Director do PNPG em 2006. O que sei é que, nos termos da Portaria em análise, "foram ouvidos o PNPG e as entidades locais - Câmara Municipal de Terras de Bouro e Juntas de Freguesia de Campo do Gerês, Vilar da Veiga , Covide e Rio Caldo -, o Ayuntamento de Lobios e o Parque Natural da Baixa Limia-Serra do Xurés".
O meu primeiro comentário é que, pelo facto de terem sido ouvidos esses autarcas, não significa que tenham dado a sua concordância. Por outro lado, não sei a que propósito aparecem aqui as Juntas de Freguesia de Covide e de Rio Caldo, uma vez que não têm qualquer jurisdição sobre a Mata da Albergaria. E, pelos contactos que fiz por estes dias, há Presidentes das Juntas referidas que estão em total desacordo com a Portaria em questão.Mas, mais importante do que isso, é que foram esquecidos, na elaboração da mencionada Portaria, os representantes do que, no dizer de Henrique Pereira, completaria a "quase totalidade" da (no seu entender) "mata nacional, da propriedade do estado". E quanto a esses que faltam para a tal "totalidade", só de Vilarinho da Furna, são mais de uma centena de proprietários, legalmente representados pela AFURNA, a que tenho a honra de presidir. A que haverá que acrescentar os proprietários do Campo do Gerês e, eventualmente, do Vilar a Veiga.Aproveito para recordar que uma das portagens (a da Bouça da Mó) está em pleno terreno de Vilarinho da Furna e a outra (a da Portela do Homem) encontra-se numa zona de que a gente de Vilarinho é usufrutuária. E, como ainda não estamos (alguma vez estaremos?) no país dos sovietes, considero que a (mal)dita Portaria é, no mínimo, ilegal e inconstitucional. Do que o povo de Vilarinho da Furna, e não só, obrigará as entidades (ir)responáveis por esta Portaria a arcar, naturalmente, com as respectivas consequências.
Manuel Antunes

----- Original Message -----
From: "Henrique Miguel Pereira" hpereira@ist.utl.pt
To: ambio@uevora.pt; mba@uevora.pt; mantunes@mail.telepac.pt
Sent: Wednesday, February 21, 2007 2:17 AM
Subject: Portaria da Mata de Albergaria

Caros colegas,
Parece-me que tanto o Manuel Antunes como o Miguel Araújo concordam com a introdução da taxa de acesso para veiculos motorizados à Mata de Albergaria, tendo ambos levantado a questão de qual é que será o destino das receitas. Pois a grande novidade desta portaria, é que prevê que a receita reverta a favor das acções de conservação da Mata de Albergaria. Lembro ainda que o território aonde será cobrada a taxa é, quase na totalidade, mata nacional, da propriedade do estado. Espero que esta medida contribua para que cada vez mais tenhamos os visitantes a preferir fazer a Geira (via romana) e a estrada de Leonte a pé e de bicicleta, deixando os carros à entrada da Mata. Por fim, gostaria de frisar que esta medida teve a concordância dos autarcas locais já em 2004. Aconselho a consulta da portaria em: http://dre.pt/pdf1sdip/2007/01/00500/01140114.PDF
Cumprimentos,
-- Henrique Miguel Pereira (Doutorado em Biologia)
Director Parque Nacional da Peneda-Gerês
http://www.icn.pt
Instituto da Conservação da Natureza
pereirahm@icn.pt
Av. Antonio Macedo
Tel: +351 253 203 480
4704-538 Braga, Portugal
Fax: +351 253 613 169

20/02/07

Ainda as Portagens no PNPG

Sobre as portagens no PNPG, o Miguel Araújo diz que desde há anos defende "a existência de portagens nas áreas protegidas sempre e quando tal seja possível". Penso que, nisso, não lhe devo ter ficado atrás, pois, já em 6/7/1990 subscrevi um comunicado, como Presidente d'AFURNA (http://afurna.no.sapo.pt/Portagens%20no%20PNPG.pdf ), em que, entre outras coisas, se propunha: "Que seja feito um controlo nas entradas, permanências e saídas do Parque, a todos os visitantes, a exemplo do que acontece em qualquer outro Parque minimamente organizado. Isto implica, no mínimo, que cada visitante deve pagar uma portagem e todos os serviços que o Parque e/ou as populações locais ponham à sua disposição. O que deve reverter a favor da criação e manutenção das estruturas, bem como para compensação das populações".E as referidas portagens vieram a ser implementadas ainda nesse ano, ficando o PNPG com a obrigação de prestar contas dos resultados às autarquias e donos/usufrutuários dos terrenos envolvidos. Só que o PNPG não cumpriu com esse compromisso, limitando-se a transformar as portagens numa "caixa registadora", para encher os seus cofres, sem contribuir em nada para a limitação do tráfego, que se impunha: Desde que pagasse entrava; como todos pagavam, todos entravam.O que, além de processsos em tribunal, por denúncia dessa situação (em que andei pessoalmente envolvido, tendo o então Director do PNPG "ficado bastante mal na fotografia"), levou a que, em 1992, houvesse uma forte contestação das autarquias e populações locais, como foi amplamente divulgado, inclusive pela TV. Tendo acabado por ficar decidido que as portagens se deviam manter, para um efectivo controlo e limitação do tráfego na Mata da Albergaria, mas sem qualquer pagamento. O que, quanto conheço, tem funcionado bem, sem queixas das populações locais e/ou visitantes.Pelo que a ideia de o PNPG vir agora tentar reintroduzir os pagamentos nas portagens só se compreende por carências financeiras. Por isso, para nos trazer mais e pior do mesmo, depois da triste experiência que já tivemos, não, obrigado!E note-se que eu próprio até tenho alguma responsabilidade numa outra portagem com pagamento, ali ao lado, para acesso à propriedade privada de Vilarinho da Furna (http://afurna.no.sapo.pt/VISITE%20VILARINHO%20DA%20FURNA.pdf).
Mas que, apesar de alguma contestação inicial, por parte de alguns visitantes, até tem funcionado bem, com efectivo controlo e limitação do tráfego: até um Vereador da Câmara Municipal de Terras de Bouro já foi proibido de entrar com o seu carro, porque o espaço estava saturado de viaturas.Em conclusão: Portagens na Mata da Albergaria sim; portagens pagas não.
Manuel Antunes

----- Original Message -----
From: <mba@uevora.pt>
To: <ambio@uevora.pt>
Sent: Monday, February 19, 2007 2:54
Subject: Re: [ambio] Portagens no PNPG

Há anos que defendo a existência de portagens nas áreas protegidas sempree quando tal seja possível. Portanto, esta iniciativa está de parabéns.Para que essas portagens sejam efectivas a verba conseguida deve serre-investida em acções de gestão dos valores do parque. Essa é umareivindicação importante que deveria constar do caderno de reivindicaçõesdas pessoas que se agitam em torno dessa medida.
No entanto não parece ser isto que motiva as hostes locais.
Miguel Araújo

Portagens no PNG

Segundo notícias recentes, "o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) vai passar a cobrar 1,50 euros aos turistas que, no período de Verão, pretendam circular de automóvel na Mata da Albergaria, num percurso de cerca de dez quilómetros, pela EN 308-1. A medida já está a ser contestada pelas populações que temem os efeitos na afluência de turistas. A estrada em causa liga Portela do Homem (freguesia de Campo do Gerês) - junto à fronteira com a Galiza -, a Leonte, na localidade Vilar da Veiga, concelho de Terras de Bouro, cruzando a Mata da Albergaria, que se constitui como uma floresta bastante densa e considerada representativa da floresta primitiva. Actualmente, a circulação é já bastante condicionada, sendo mesmo proibida a paragem dos automóveis. (...) Os autarcas do PNPG ameaçam agora "endurecer a luta" caso a direcção daquela área protegida mantenha algumas das actuais restrições no novo plano de ordenamento, cujo processo de revisão deverá ficar concluído até final do ano. A possibilidade de poder instalar aproveitamentos eólicos continua a ser o grande objectivo das 22 juntas de freguesia abrangidas pelo parque, devido às grandes receitas que poderão gerar". http://dn.sapo.pt/2007/02/13/sociedade/geres_portagens_a_partir_junho.html
Espero que os responsáveis pelo PNPG tenham o bom senso de não "comprar mais uma guerra", tão desnecessária quanto inútil. De facto, quando, nos idos de 1990, pairou sobre o PNPG a ameaça da desclassificação, a AFURNA - Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna (http://afurna.no.sapo.pt/), foi a primeira entidade a propor, em comunicado, o estabelecimento de portagens pagas, na Mata da Albergaria, com o objectivo, além do mais, de diminuir o tráfego automóvel, durante os meses de Verão. Mas aconteceu que o respectivo pagamento apenas serviu para encher os cofres do PNPG, sem que dele fossem sequer prestadas contas às autarquias envolvidas e aos proprietários dos terrenos em causa, AFURNA incluída. O que levou a que, em 1992, devido à forte contestação pública, fosse decidido que as portagens se deviam manter, para um efectivo controlo, mas sem qualquer pagamento.

Vilarinho da Furna - Textos

"Vilarinho da Furna"
Alfredo Mendes, in Rio Lindo, ed. Águas do Cávado

Era uma vez uma terra na paz profunda do vale. Ossadas de Vilarinho da Furna, albergando até ao tutano eco de almas, de viveres, gritos de saberes suspensos num tempo indizível. Tempo aferido por relógios de sol petrificados, povo de lembranças, quantas delas crestadas nos rostos de pedra que podeis enxergar quando as minhas águas rareiam. E então havereis de lhes chamar lápides falantes, lápides que calam fundo, ou não fossem pedra-lar dos serões aconchegados ao lume, «fias tu?, fio eu, minha mãe». Com o fumo evolam-se histórias de lendas, dos ursos pardos rondarem por ali; e sob a abóbada das varas dos enchidos o era uma vez continua no sonho e no sono das princesas encantadas, tranças de ouro bordejando-lhes o rosto. E assim o povo dormia amornado, levando na veia do coração o corpo da terra nua e crua.
Ao luar, sombras amortalhando um santuário de afectos para sempre sepultados. E supõem não haver uma alma penada pelos pecados do mundo nas margens sentada, queda e calada, respirando pulsares cobertos pelo espírito das águas mansas?
Essa a penitência na aldeia comunitária que já foi, na paz monacal que parecia ser. Lembranças de bordas de pão cozido pelas madrugadas do silêncio, seis rasas de milho para um quarto de rasa de centeio, o alimento diário. Se caía um naco ao chão? Beijavam-no com tal carinho que pareciam louvar o Menino Jesus na noite de Natal. Pão, fermento de vida. Vinho, fruto da videira e do trabalho do homem.
No regaço do vale expulsavam o vizinho por ter alugado casa a gente de fora. A respeitar, o... «entre quem é!» No regaço do vale cortaram cordões umbilicais, oraram pelos seus mortos, «dai-lhe, Senhor, eterno descanso» e pelo velório uma tecla de toucinho espreguiçada sobre o pão amaciado a goladas de bagaço. Rezavam-se trinta Padre-Nossos mais trinta Avé-Marias; depois, a estafa de levar o esquife ao ponto mais alto da terra, por acaso o mais perto do céu e a quem acompanhasse o morto até à última morada, um copo de vinho, uma ração de pão serventia da mantença, ao outro dia, comilança melhorada em santa obediência ao antigo culto dos mortos. Pão e vinho andam a caminho neste remoto ritual ao ar livre. Ai as manducagens nos enterros, uma mulher à frente do defunto a oferecer a Deus (padre), meia rasa de milho e meio quilo de toucinho.
O requiem de uma terra ainda sem sorte tocada, isso mesmo confiavam pastores e moleiros movendo-se nas suas terras de aluvião. No sopé da serra Amarela pedras de uma civilização em decrepitude, ao fundo, pinheiros bravos, carvalhos, azevinho com bolinhas vermelhas e no meio de tudo o Éden tinha a seu regalo gado suino, lanígero, bovino. Ah, lembra a alma a penar pelo renascer da Fénix, um tal Verdego, seja a Maria Joaquina, as casas eram de granito e soalhadas de carvalho, nos baixos currais ou lojas térreas, tanques para o vinho de ramada e de enforcado, onde ferviam mostos purpurinos e eu, rio mortalha, a pensar nos resquícios da velha têmpera daquelas mulheres, daqueles homens.
Na rudeza das pedras, velhos com olhos rasos de água por tanto amarem a terra dos seus amores continuam ir ali pôr flores no cemitério; continuam a ver casas colmeadas, a autoridade instituída a um zelador, responsável pela administração daquele povo agro-pastoril. Uma democracia ancestral, as cinco chagas da vara do zelador, ceptro sublime de um comunitarismo a resistir na serra distante do mundo. Povo ribeirinho a tecer, a sachar a hortaliça, a fazer o fumeiro, festa da abastança, a do sangue cozido. Povo carpinteiro, ferreiro, sapateiro, povo a erguer muros, a compor carros de bois. Sai a vezeira, cada um dos donos responsável por vigiar o gado de todos, ai a vezeira da rês, «Botai-la rês». À noite retornam as cabras mais o seu balido, um chocalhar ao clamor dos pastores, «Estrema! Estrema!».
Ouçam agora o toque do corno de cabra para a reunião no Chão do Forno, às quintas-feiras. Ouçam os brados de antanho, «Botai-la rês», outra vez, «Botai-la rês» e tende cuidado, muito cuidado com o acoitar dos lobos dominando cabeços e matagais. Nas batidas encaminhavam-nos para os fojos, toscamente vos descrevo, duas grandes paredes de pedra em ângulo agudo. Se mesmo assim as feras tinham fuga, aos zagalotes, meu povo!, e ei-los correndo feridos e exangues, através da abertura apertada até caírem no fosso coberto de folhas e de ramos. Adeus, adeus ao uivar à lua, e balbúrdia guerreira nos chavascais--alegria dos donos de ovelhas e cabras, mal sabendo que os animais também são bodes expiatórios com costas muito, muito largas. Mas disso pouca fé faziam caçadores e batedores, a hora era de comer e de beber, de entrar na terra alombando as feras mortas, dentes arreganhados, olhos vítreos de vida finda.
Facetas muitas, pelos barrancos contrabando até terras de Espanha entre matas de medronheiros, homens conhecedores de todas as pedras, de todas as pegadas, vigília aos ventos do céu atlântico, da boa-aventurança, da grande audácia. E emigraram além-Pirinéus, miragem de um pão menos rançoso. Para aí caminhava um povo ensimesmado pelos labores e pelas serras e pelos vales e pelo estio e pelas geadas. Não um povo de homiziados, mas um que sabia manejar o arado quadrangular, as gadanhas, as croças, a masseira, o forno. Povo que sabia mimar os currais com fenos e carvalhos, deixando-se cativar por um verde belíssimo aos primeiros raios de sol após as chuvas inverniças. Porque invernadas agrestes, ardem toros de carvalho, raízes de urze aquecendo a cozinha. Nos escanos, velhas embiocadas tremelicam ensalmos. Para os recos refocilando nas lojas, o caldeirão de cobre, a lavagem fumegante, negros potes de ferro fundido com caldo pronto a sorver num rugir animalesco. A família Trigo, a família Fecha vão à deita, o sono já espreita; camas com o desenho do sino-saimão, tal acontecia no jugo dos bois e... pelo sinal da Santa Cruz!
A cruz com barbichas de musgos nos espigueiros ou canastros do século XVIII, ripes de madeira assentes em pilares dotados de discos de pedra na parte superior, guardiões de espigas de milho e de seculares cravelhos. A cruz, ainda a cruz nos moinhos e a mó girando, girando... a farinha, sacos dela, o rodízio, a adelha, a seteira, o farfalhar da água... E a mula do moleiro? Sabe o caminho de cor e salteado quando o dono apanha uma destas carraspanas que precisa de ser levado à paz do doce lar e às azedas palavras da mulher.
Toda esta vivência abençoava a padroeira da terra, Nossa Senhora da Conceição, a oito de Dezembro. De ano para ano a incumbência de um vizinho organizar a efeméride; o cavalheiro, investido de anfitrião, sacrificava mais de dez cabras a que juntava dezenas de quilos de arroz e de pão. E viva a banda, sonante instrumento do sangue da festa-desforra. Comeres melhorados, já se sabe, nem só de boroa de milho, caldo de vagens, farinhatos no inverno, chouriços e sarrabulhos se lambuzar o povo. Nem só sopas de leite ou perdiz ou caçapo crivados de chumbo adentavam os filhos da terra. Nem só trutas e escalos no verão ziguezagueando pelo rio Homem euforizavam as suas vontades.
Ao cristianismo caldeavam rituais pagãos. Querem saber de um? Pela meia-noite de Natal saíam à rua com um cavalo aceso, tirado da lareira, ficando o povo a saber de que lado estava o vento. Do Norte? Ano frio. Do Sul? Ano quente. Do Nascente? Chuva quente. Do Poente? Chuva fria.
Contra toda a espécie de intempéries e maleitas se apelava aos antibióticos dos médicos e às benzedeiras mais os seus defumadouros, prática que nenhuma comunicação moderna logrará esfumar. Então havia que arrenegar a bruxaria, ou o sabbat de sinistras memórias. Medos velhos e revelhos amantizados com o sobrenatural, olhem ali o senhor padre intercedendo por S. Sebastião, advogado contra a fome, a peste e a guerra e o santo dando voltas à igreja em caso de calamidade nas terras. E os infortúnios aplacavam, pois tinham de aplacar, fosse à teima de comer à tripa-forra, ou para tal funçanata homem de fortes costados não botasse sentido. O senhor padre, olhem ainda para ele, afofando as botifarras nas encostas rochosas a declamar esconjuros ao Pai do Céu. Procissões, alminhas do Purgatório e... almas apaixonadas. Surgiam os casamentos, mal de amores desabrochando a todo o momento; noivas virgens?, outra a prática, laços, mais laços e lacinhos e a terra cogumelada de guarda-chuvas abertos.
Lá vem-no senhor doutor,
Com a lanceta na mão
Bem te dizia Laurinda
Que era na veia do coração.
Nesses dias povo aperaltado na vestimenta, posto a lã, o linho, as croças de palha terem outro paradeiro no canto escuro da casa. Para as arcas o ataviar austero da solidão dos dias em que os homens usavam burel e aventais das costas transformando-os em figuras espectrais de arrepiar pelas encruzilhadas, também disso deu nota o investigador Jorge Dias.
A ganapada, essa, perseguia os garranos, não os da noite de Natal cobertos de luzes, qual?!, garranos selvagens em larga desfilada atravessando livremente a fronteira galega à velocidade do vento suão. E viam a beleza da vezeira da vaca que começava no dia um de Maio, terminando no dia de Todos-os-Santos.
Era uma vez uma terra na paz profunda do vale.
Era uma vez a família Geira, sessenta casas amontoadas, cabanas de pastores (furnas) para a pernoita durante os meses das vezeiras.
Era 1972 e aprisionaram o meu braço direito, Homem, nome de rio. Altura e largueza de albufeira. Precisão de quilovátio. Ficaram os esqueletos das casas e lodo, muito lodo. Ficaram os esqueletos das árvores ocas, dedos apontados ao céu e às consciências humanas.
Era uma vez uma ponte romana rodeada de flores que na lama parecem firmamento de estrelas velando aos mortos do cemitério, restos protegidos por um santo incógnito
Terra submersa, amores enterrados em lençóis de água. A velha alma a penar, lembram-se?, nas margens do Homem falando com os seus fantasmas e...
Era uma vez uma rapariga tão linda, tão linda que de Vilarinho da Furna teve de fugir sem a força impulsionadora de um poema:
Manuel é quem me ama,
Manuel é quem m´adora,
Manuel é quem me tira
Da minha casa p´ra fora.
Permaneceram fantasmagóricas sobras de paredes, espigueiros, ruas, salas e quartos à vista quando as minhas águas descem, praticamente escoam e toleram revelar ao mundo a riqueza de um comunitarismo julgado pobre e eterno. Casas de ouro velho por acção e graça do sol na altura das vacas tornarem às lojas e o velho trazer para casa o burro pela arreata.

06/02/07

Contra Corrente - Os Mitos Climáticos
De Rui G. Moura, Engenheiro. Mestrado em Climatologia.
"O Pânico Climático, A política do medo
Quando se fala do hipotético aquecimento global pretende-se seguramente
meter medo. Até seria desejável que a Terra aquecesse. Com efeito, isso nos
traria imensas economias tanto de energia para climatização, como do
petróleo bruto e dos seus derivados. Por outro lado, seriam ganhas largas
extensões de terra cultivável em direcção às regiões subpolares. Foi o caso
entre os anos 1930 e 1960 (período do Óptimo Climático Contemporâneo).
Nessa altura, as explorações agrícolas do norte do Canadá e da Escandinávia
deslocaram-se mais para Norte. Nos anos 1970, com o regresso do frio,
voltaram a retroceder para Sul. O mesmo aconteceu na África subsariana onde
os criadores de gado se deslocaram primeiro para Norte e depois regressaram
ao Sul quando a seca estalou nos anos 1970. Durante o período quente, as
chuvas tropicais eram mais abundantes. Isso quer dizer, paradoxalmente, que
se o aquecimento fosse efectivo, a seca acabaria no Sahel! Mas, infelizmente, não é esse o caso".
www.mitos-climaticos.blogspot.com

“Ao arrotar, uma vaca chega a emitir para a atmosfera cercade 500 l/dia de gás metano, contribuindo para o efeito estufa”.
Rev. CERTA, de 16 a 28 de Janeiro de 2007, p. 28.

Espero que, por isso, não pretendam eliminar as vacas.
MA